No seu 10.º aniversário, a VIVER SAUDÁVEL convidou 10 nutricionistas a avaliar uma década de Nutrição. O artigo de opinião que se segue é da autoria de Alexandra Bento, ex-bastonária da Ordem dos Nutricionistas e coordenadora do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
Celebrar os 10 anos da Revista VIVER SAUDÁVEL é, para mim, celebrar também uma década de maturidade de uma profissão que aprendeu a construir o seu espaço, a afirmar a sua relevância e a consolidar a sua identidade profissional e científica. Tive o privilégio de acompanhar esse percurso não apenas como observadora, mas como agente ativa: a criação da Ordem dos Nutricionistas, e os anos intensos que se seguiram, foram um tempo de construção exigente, muitas vezes pioneira, em que trabalhámos para que a profissão tivesse o reconhecimento, o rigor e a autonomia que a sociedade merece.
Os últimos 10 anos mostraram-nos que a Nutrição é simultaneamente ciência e causa pública e como tal a profissão de nutricionista deve acompanhá-las. A expansão do conhecimento, a crescente especialização e a exigência ética sempre defendida permitiram-nos demonstrar que as diferentes áreas de atuação dos nutricionistas são pilares centrais da saúde pública. E, apesar das conquistas, aprendemos também que o progresso nunca é linear: enfrenta resistências, acelerações súbitas, retrocessos inesperados e mudanças estruturais que nos obrigam a repensar estratégias.
Hoje, no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, onde coordeno o Departamento de Alimentação e Nutrição, vejo com clareza que a Nutrição ganhou visibilidade, mas ainda procura a influência plena que a evidência científica já justificaria. Persistem desafios: a desinformação alimentar que se dissemina mais rápido do que conseguimos corrigi-la; a medicalização simplista da alimentação; a pressão económica sobre os sistemas alimentares; e a crença, ainda vigente, de que “todos sabem sobre nutrição” – exceto quando não sabem – são alguns deles.
Mas há outro desafio que não pode ser ignorado: a liderança profissional. As instituições que representam uma classe não podem viver do passado, nem combatê-lo (até porque ele foi superlativo); precisam de o honrar, compreender e suplantar. E precisam, sobretudo, de liderar. Quando a energia institucional se volta excessivamente para discursos imediatistas, para o conforto das respostas rápidas ou para narrativas que procuram culpados em vez de soluções, perde-se algo essencial: visão. O passado recente mostrara-nos como a ausência dessa visão — estratégica, estruturada, mobilizadora — fragiliza não apenas a instituição, mas a própria capacidade coletiva de avançar. A Nutrição merece mais do que populismos emocionais: merece pensamento profundo, trabalho consistente, capacidade de decidir, saber fazer e avançar e, simultaneamente, a coragem de assumir responsabilidades.
Porque também há conquistas que não podemos desvalorizar. A integração crescente dos nutricionistas nas políticas de saúde pública, a afirmação do papel destes profissionais na prevenção de doenças e no seu tratamento, a maior presença em equipas multidisciplinares, a investigação que se robustece e internacionaliza, e a consciencialização social sobre sustentabilidade alimentar são sinais inequívocos de evolução.
Se a última década foi a da afirmação, acredito que a próxima terá de ser a da responsabilidade. Responsabilidade de liderar – com rigor científico, inteligência comunicacional e visão humanista – a transição alimentar que o país e o mundo exigem. Responsabilidade de ocupar lugares de decisão onde ainda estamos sub-representados. Responsabilidade de combater a desinformação com empatia e estratégia. Responsabilidade de formar novas gerações de nutricionistas capazes de pensar o sistema alimentar na sua totalidade.
A Nutrição do futuro precisará de profissionais tecnicamente exímios, mas também politicamente conscientes, socialmente atentos e eticamente inabaláveis. A ciência continuará a ser o nosso alicerce, mas será a nossa capacidade de dialogar com a sociedade – e de nos representarmos com seriedade e ambição – que definirá o nosso impacto.
Ao longo desta década, a Revista VIVER SAUDÁVEL foi mais do que testemunha do crescimento da Nutrição em Portugal: foi uma plataforma ativa de debate, de esclarecimento e de valorização da profissão. Num tempo em que a informação circula veloz e, tantas vezes, distorcida, a Revista VIVER SAUDÁVEL soube manter um compromisso com o rigor, a profundidade e a pluralidade de perspetivas. A revista não apenas acompanhou a evolução da Nutrição — ajudou a moldá-la. E, por isso, celebrar os seus 10 anos é celebrar também uma década de serviço público à saúde, à ciência e à profissão.
Há 10 anos, quando nasceu a Revista VIVER SAUDÁVEL, escrevemos um capítulo importante da história da Nutrição portuguesa. Hoje, temos a oportunidade – e o dever – de escrever o próximo. E, se o fizermos com coragem, competência e visão, o Nutricionista será mais do que um profissional em evolução; será o impulso transformador que pode guiar o país rumo a mais saúde e mais justiça.
São 10 os artigos de opinião especiais que celebram o 10.º aniversário da Revista dos Nutricionistas. Aceda às reflexões já publicadas aqui.




