A década em que se iniciou uma revolução 520

No seu 10.º aniversário, a VIVER SAUDÁVEL convidou 10 nutricionistas a avaliar uma década de Nutrição. O artigo de opinião que se segue é da autoria de António Pedro Mendes, head of nutrition no Sporting Clube de Portugal. 

 

Na última década, a nutrição sofreu uma transformação profunda, à custa de uma revolução digital e dos avanços técnico-científicos, cada vez mais acessíveis em tempo real e em qualquer parte do mundo. Esta evolução é particularmente evidente na nutrição em contexto desportivo, onde a relação entre ciência, tecnologia e performance redefiniu a forma como os atletas se alimentam, treinam, recuperam e se vão monitorizando.

Se, a meio da década de 2010, as recomendações nutricionais se baseavam em médias populacionais, hoje a personalização é a palavra de ordem. A chamada nutrição de precisão, apoiada em ferramentas como a monitorização contínua da glicose, a análise metabolómica ou os testes genéticos, tem estado em voga, com a expectativa de um ajuste mais individualizado, baseado na fisiologia e características globais únicas de um atleta. Na mesma linha de pensamento, os dispositivos wearables têm-se tornado muitíssimo utilizados, fornecendo informação em tempo real sobre o sono, a hidratação, o gasto energético ou a variabilidade da frequência cardíaca. A inteligência artificial veio reforçar esta capacidade analítica, ajudando a detetar padrões que há dez anos teríamos dificuldade de entender.

No entanto, apesar do grande potencial destas ferramentas, ainda enfrentamos desafios significativos na interpretação e integração prática dos dados que fornecem. A monitorização contínua da glicose, por exemplo, permite observar respostas individuais em tempo real, mas a sua utilidade fora de contextos clínicos específicos ainda está a ser debatida. De forma semelhante, a análise metabolómica e os testes genéticos oferecem uma visão promissora sobre o metabolismo e a predisposição individual, mas a sua aplicação quotidiana continua limitada pela complexidade dos dados e pela falta de consensos científicos sólidos.

No caso dos wearables, a maioria ainda apresenta margens de erro significativas na medição de parâmetros como o gasto energético, a taxa de sudorese ou a qualidade do sono, o que pode comprometer a fiabilidade das interpretações. Além disso, nem todos os dados recolhidos têm relevância direta para a prática nutricional, e a sua integração com informação clínica ou nutricional continua a ser um desafio. Neste sentido, o verdadeiro desafio para os nutricionistas passa, assim, por distinguir o que é realmente relevante para a prática e como transformar essa informação em decisões nutricionais objetivas e eficazes, evitando tanto a sobreinterpretação como a dependência excessiva da tecnologia.

A revolução digital alterou ainda a forma como os nutricionistas em contexto desportivo comunicam e educam. As redes sociais, as aplicações móveis e as plataformas de teleconsulta ampliaram o acesso à informação baseada em evidência, mas também facilitaram a difusão de desinformação. Hoje, mais do que nunca, o profissional deve ser um intérprete e tradutor da ciência — alguém capaz de transformar dados complexos em mensagens claras, práticas e fiáveis, sustentadas pelo rigor científico.

Também as preocupações éticas e ambientais tomaram conta da nossa prática profissional. Equipas desportivas, atletas e nutricionistas procuram cada vez mais soluções sustentáveis, reduzindo o desperdício, privilegiando alimentos de origem local e adotando dietas mais baseadas em plantas. O nutricionista contemporâneo é, por isso, chamado a equilibrar o desempenho ótimo com escolhas responsáveis, contribuindo para uma prática mais consciente e alinhada com os desafios globais da sustentabilidade.

Os próximos anos trarão, com toda a certeza, muitas novidades no conhecimento e na digitalização da forma como fazemos nutrição. Mas, a par destas inovações, os desafios de foro ético e de adaptação a novas realidades poderão ser enormes. Para nos apoiar nesta caminhada e nesta atualização teremos, com toda a certeza, a equipa da revista VIVER SAUDÁVEL, a quem endereço felicitações por esta década de acompanhamento do que de melhor se vai fazendo na nutrição em Portugal.

 

São 10 os artigos de opinião especiais que celebram o 10.º aniversário da Revista dos Nutricionistas. Aceda às reflexões já publicadas aqui