O átrio principal do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), com o célebre mural de Júlio Pomar como pano de fundo, tornou-se pequeno para sentar o considerável volume de personalidades que fizeram questão de marcar presença no lançamento do livro “Ética Aplicada – Nutrição”, o primeiro do género a ser publicado no nosso país.
No passado dia 18 de setembro, em Lisboa, foi apresentado publicamente o último volume da renomada coleção “Ética Aplicada”, da professora catedrática e presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Maria do Céu Patrão Neves, que desta vez se juntou a Alexandra Bento, coordenadora do Departamento de Alimentação e Nutrição do INSA e fundadora da Ordem dos Nutricionistas, que comandou por cerca de 12 anos.
Com a presença da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, na primeira fila, a sessão pública assinalou uma obra que, nas palavras de Alexandra Bento, “fará história nas bibliotecas das faculdades”, particularmente nas que lecionam as Ciências da Nutrição e a Dietética.
“Não podemos falar de alimentação saudável sem falar de ética”
A nutrição, enquanto área do saber com cada vez mais peso no léxico coletivo, “conhece uma impressionante expansão e diversificação dos seus domínios de atuação”, razão pela qual se assume hoje como “determinante para a saúde”, enquanto influencia a “vida ativa, a competição desportiva e está associada a representações culturais, religiosas e filosóficas”, considera Maria do Céu Patrão Neves.
Na sessão de apresentação da obra, a especialista em ética reconheceu que a nutrição é já parte da nossa cultura, uma vez que se “divulga como marketing, anima blogues e está sujeita a uma panóplia de informações, por vezes falsas, ou pelo menos exageradas”.
Por sua vez, Alexandra Bento deixou bem claro que “a nutrição não é apenas ciência nem técnica, mas também decisão com impacto ético”, seja no plano macro – com as políticas públicas à cabeça – ou micro – no que às decisões individuais diz respeito. Este livro, atestou, “nasce da convicção de que não podemos falar de alimentação saudável e sustentável sem, claramente, falar de ética”.
Assim sendo, e porque esta é uma publicação que “serve para todos aqueles que têm na sua atividade o alimento como função”, Alexandra Bento levantou o véu de reflexões que passam pela convivência entre a liberdade individual de escolha e as políticas de saúde pública, pelo combate à imposição manipulativa ou ainda pela relação entre a cultura, a religião, a sustentabilidade e a saúde.
Uma preocupação de “todos nós”
A Nutrição dá nome à mais recente obra escolhida por Maria do Céu Patrão Neves para integrar a coleção “Ética Aplicada”. Este é o 14.º volume da série que, à semelhança dos anteriores, procura evidenciar que as preocupações éticas são parte integrante da relação entre os profissionais e os cidadãos.
Em declarações à VIVER SAUDÁVEL, a professora catedrática explicou que a nutrição já ultrapassou a esfera profissional e é hoje numa matéria que suscita a preocupação de “todos nós”. Torna-se, por isso mesmo, essencial perceber que esta “exige conhecimento científico rigoroso e atualizado e proficiência técnica” para o adaptar “às necessidades de cada utente”.
A sensibilidade ética é ainda, em última instância, aquilo que “qualifica o profissional, o seu exercício e a sua relação com o cidadão”. Para a especialista, deve-se ter em atenção “a integridade da profissão e a responsabilidade social no convívio, no contacto e na educação nutricional”.
“Ferramenta para facilitar decisões”
“Senti-me muito honrada com o convite” que seria sempre irrecusável, admitiu à VIVER SAUDÁVEL Alexandra Bento. Ou não fosse Maria do Céu Patrão Neves um nome importante para a Ordem dos Nutricionistas – integrou, no passado, a Comissão de Ética.
A responsável pelo Departamento de Alimentação e Nutrição do INSA garantiu que esta “não é uma obra só para nutricionistas, mas é uma obra obrigatória para nutricionistas”, ao transportar toda a classe para “um conjunto de reflexões muito importantes” que tocam os dilemas com que estes profissionais se deparam ao longo do seu percurso. “Este livro pode servir como ferramenta para facilitar decisões” e potenciar reflexões éticas apuradas.
No fim, “a história da obra”, do convite de Maria do Céu Patrão Neves à seleção dos 28 autores responsáveis pelos 15 temas aprofundados, a que se juntam timings desafiantes e a “leitura atenta e conjunta” pelas coordenadoras de todos os textos, compõem um marco para a nutrição em Portugal.
Literacia, desperdício e suplementos
“Ética Aplicada – Nutrição” reúne contributos dos especialistas Andreia Oliveira, Carla Lopes, Elisabete Pinto, Bela Franchini, António Jácomo, Francisco Goiana da Silva, João Marecos, Inês Morais Vilaça, Filipa Malcata, Rafael Vasconcelos, Raisa Guedes, Emília Silva, Paula Bico, Margarida Moldão, Iva Pires, André Moreira-Rosário, Cláudia Marques, Suzete Costa, Nina de Sousa Santos, Miguel Ricou, Helena Pereira, Catarina Durão, Carla Rêgo, Cíntia Pinho-Reis, Marta Correia e Graça Ferro.
Com duas partes distintas – uma dedicada a temas fundamentais e outra focada questões específicas – a obra aborda, por exemplo, as políticas nutricionais e a saúde pública, a literacia alimentar, os sistemas e o desperdício alimentar, ou ainda os suplementos, a obesidade e a nutrição em cuidados paliativos.
A sessão de apresentação contou ainda com a mesa redonda “Comunicação Ética em Nutrição e a Mediatização da Informação”, com Marta Correia e Nina de Sousa Santos.




