Na terça-feira (09), o Conselho Europeu de Investigação (ERC) anunciou os resultados do seu mais recente concurso – Consolidator Grants, o segundo nível deste tipo de financiamento, para investigadores com trabalho consolidado nas suas áreas.
Em Portugal, dois novos projetos nas ciências da vida irão receber um total de 4,1 milhões de euros. Este financiamento foi atribuído a Juan Álvaro Gallego, neurocientista que recentemente se juntou à Fundação Champalimaud (FC), e a Ricardo Araújo, paleontologista do Instituto Superior Técnico / Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA).
O ERC irá atribuir 728 milhões de euros a 349 investigadores distribuídos pela Europa. Só nas ciências da vida, foram apresentadas 823 propostas, sendo que 93 foram selecionadas para financiamento, o que representa uma taxa de sucesso de apenas 11,2%.
Na Fundação Champalimaud, Juan Gallego receberá 2,1 milhões de euros ao longo dos próximos cinco anos para desenvolver o seu projeto de investigação – SELECT. O projeto visa revelar os mecanismos neurais subjacentes à aprendizagem e à execução de movimentos especializados. Juan juntou-se recentemente ao Centre for Restorative Neurotechnology, com afiliações a dois programas da Fundação Champalimaud – o Neuroscience of Disease Programme e o Neuroscience Programme.
No Instituto Superior Técnico / CERENA, Ricardo Araújo receberá 2 milhões de euros para estudar a origem evolutiva da endotermia, a capacidade de manter uma temperatura corporal estável, na linhagem evolutiva que liga os dinossauros às aves. O projeto DAEDALUS propõe uma metodologia baseada no ouvido interno para estimar as temperaturas corporais em espécies extintas.
Juan Gallego, Fundação Champalimaud
O projeto SELECT: Sensorimotor control and learning across timescales, pretende identificar as regiões cerebrais que nos permitem aprender, realizar e adaptar movimentos especializados de alcançar e de agarrar. Em vez de estudar regiões isoladamente, o projeto irá registar e manipular simultaneamente múltiplas áreas do cérebro em ratinhos, enquanto estes aprendem tarefas desafiantes de alcance e preensão e, posteriormente, as executam como especialistas.
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O SELECT irá também testar como as contribuições destas áreas cerebrais mudam quando os ratinhos especialistas se adaptam a novas condições, como feedback alterado, através de perturbações com recurso à realidade virtual. Ao combinar modelos teóricos com recentes avanços experimentais, o projeto pretende revelar como as contribuições para o controlo motor das principais regiões cerebrais evoluem ao longo da aprendizagem, execução e adaptação.
Dada a conservação destas estruturas cerebrais entre roedores e humanos, espera-se que os resultados façam, por um lado, avançar a compreensão científica básica e, por outro, contribuir para abordagens translacionais, com base em neurotecnologia, com vista a para tratar distúrbios do movimento, como o AVC, as lesões da medula espinhal e a doença de Parkinson.
“Este financiamento irá permitir-nos avançar na entusiasmante investigação básica, em desenvolvimento na Fundação Champalimaud, incluindo a criação de um laboratório para realizar ambiciosas experiências em ratinhos e o recrutamento de cientistas brilhantes. Estou muito entusiasmado, não só pelo que espero que possamos vir a aprender sobre o cérebro, como também porque nos ajudará a avançar o trabalho de translação com doentes que estamos a com colegas incríveis do Neuroscience of Disease Programme“, diz Juan Gallego, em comunicado.
Ricardo Araújo, Instituto Superior Técnico / Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA)
O projeto DAEDALUS: Solving a Dinosaur Cold Case, recorre ao índice de termo-motilidade (TMI), uma métrica biofísica que resulta da análise da anatomia dos canais semicirculares do ouvido interno. Estes canais, que desempenham funções no equilíbrio e na perceção do movimento, apresentam características cuja relação com a temperatura corporal pode ser quantificada. “O TMI permitirá, assim, estimar temperaturas corporais em espécies extintas a partir de dados anatómicos presentes nos fósseis”, explica Ricardo Araújo. A hipótese central do projeto aponta para o surgimento da endotermia durante o Triásico.
Para validar o TMI, a equipa terá de suprir limitações de dados “críticas”. “Atualmente, existem dados de viscosidade apenas para uma espécie de aves (o pombo) e nenhuma para espécies de répteis”, aponta, em comunicado.
Entre estas está o registo sistemático dos movimentos reais da cabeça de tetrápodes modernos, permitindo aferir a precisão dos modelos biomecânicos utilizados. O projeto inclui ainda o estudo da relação de escala entre o labirinto ósseo e o labirinto membranoso em diferentes grupos de vertebrados, de modo a aprofundar o conhecimento sobre os tecidos moles do ouvido interno.
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“Tentar determinar a temperatura de um dinossauro apenas com fósseis é como tentar adivinhar a velocidade máxima de um carro antigo apenas olhando para a sua carcaça ferrugenta. O Project DAEDALUS propõe-se a reconstruir o motor (anatomia interna), analisar o combustível (viscosidade da endolinfa) e ver como o carro se comportava na estrada (movimento da cabeça) para saber quão “quente” o motor realmente corria. O projeto DAEDALUS não estará apenas a tentar ler um mapa antigo (os fósseis); estará a construir uma “lente” inteiramente nova (com um nanoviscosímetro e recorrendo a algoritmos de IA) que permitirá à comunidade científica ver detalhes fisiológicos que, até agora, eram invisíveis a olho nu”, diz Ricardo Araújo.




