Divergência alimentar afeta “quatro em cada cinco crianças e jovens” com autismo 1109

A infância e a adolescência foram chamadas ao centro do debate no primeiro dia do Congresso de Nutrição e Alimentação da Associação Portuguesa de Nutrição (APN).

Depois das conferências “O tempo certeiro: nutrição para o crescimento e desenvolvimento” e “A nutrição em idade pediátrica: uma janela para a vida”, da responsabilidade de Pedro Moreira, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP), e Carla Rêgo, pediatra do Hospital CUF Porto, respetivamente, os trabalhos prosseguiram com a mesa redonda “Desafios sobre alimentação e nutrição na infância e adolescência”. A moderação coube a Joana Araújo, investigadora do ISPUP e membro da direção da APN.

Entre as várias exposições, Sofia João Nogueira, professora da Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU), abordou o tema “Hábitos alimentares na infância e metabolismo: inflamação, stress oxidativo e disfunção neuroendócrina”, ficando demonstrado que um padrão alimentar com uma gestão energética mais elevada, sobretudo à base de bebidas ricas em açúcar, causa alterações metabólicas.

A intervenção nutricional em crianças com perturbações do espetro do autismo (PEA) exige muito mais do que planos alimentares padronizados. A nutricionista Liliana Fernandes, da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM), deixou claro que “quatro em cada cinco crianças e jovens autistas apresentam divergência alimentar”. Um dado que sublinha a urgência de olhar para a seletividade alimentar como “uma realidade prevalente e multifatorial nas crianças com PEA”, com implicações na saúde, na integração e na qualidade de vida.

Sofia João Nogueira, Ana Rita Almeida, Joana Araújo e Liliana Fernandes

Ao longo da sua apresentação, transmitiu que o plano de intervenção deve ser dinâmico, ajustável e revisto regularmente. “A seletividade alimentar muda ao longo do tempo. É necessário reavaliar e ajustar a intervenção com base na resposta da criança”, afirmou. Por isso, “recomenda-se a definição de metas realistas, com uma monitorização contínua”.

Liliana Fernandes deixou um conselho simples, mas fundamental: “Durante o processo, o mais importante é a calma, paciência e muita criatividade”. A avaliação precoce e a intervenção nutricional personalizada são determinantes para garantir o crescimento, o desenvolvimento e o bem-estar da criança. “O nutricionista deve ser um elemento ativo da equipa multidisciplinar”, destacou.

Nutricionista no contexto das PCA

Ser nutricionista no contexto das perturbações do comportamento alimentar (PCA) implica estar atento a muito mais do que padrões alimentares. É estar presente, ser empático e criar um espaço seguro de escuta ativa, onde não há julgamentos. Foi esta a mensagem deixada por Ana Rita Almeida, também nutricionista da ULSAM, ao falar sobre os diferentes papéis que o profissional de nutrição assume nestes casos.

No trabalho com o paciente e a família, o nutricionista deve adaptar a linguagem, envolver cuidadores e mostrar sensibilidade. Já em contexto de equipa multidisciplinar, deve ter uma participação ativa, comunicativa e colaborativa, comunicar informações relevantes sobre o processo de cuidados nutricionais (PCN), respeitar os limites profissionais, garantir coerência e consistência nas mensagens transmitidas aos pacientes, contribuir para planos de cuidados integrados, coerentes e baseados em evidência, etc.

“Processar alimentos foi o que nos permitiu chegar aos níveis de saúde pública que temos”

O nutricionista tem ainda um papel importante na prevenção das PCA. Ana Rita Almeida ressaltou a importância de “reconhecer sinais e fatores de risco, encaminhar pacientes para tratamento multidisciplinar quando necessário e comunicar com sensibilidade”. A promoção da saúde e bem-estar e a colaboração com outros profissionais de saúde na implementação de programas de prevenção devem estar no centro da sua intervenção comunitária.

 

Parte de artigo publicado na edição #96 da revista VIVER SAUDÁVEL (julho-agosto, 2025).