De que falamos quando falamos de alimentação colectiva, incluindo um pensamento para o futuro 308

No seu 10.º aniversário, a VIVER SAUDÁVEL convidou 10 nutricionistas a avaliar uma década de Nutrição. O artigo de opinião que se segue é da autoria de Helena Ávila, presidente do Conselho de Especialidade em Alimentação Coletiva e Restauração da Ordem dos Nutricionistas. 

 

No dizer de Laburthe-Tolra e Warnier, a função essencial do consumo alimentar é produzir sentido (1).

O que comemos, com quem comemos e como comemos, pode comunicar quem somos, de onde viemos e quais são os nossos valores. A construção do ser social está, em grande medida, ancorada nos rituais de consumo alimentar. Tais rituais, que incluem a partilha de refeições entre familiares, amigos ou mesmo entre desconhecidos, conferem à alimentação uma dimensão simbólica que transcende a sua função nutricional. Assim, o ato de comer molda a experiência subjetiva de cada individuo, podendo representar conforto, celebração, tradição ou, em determinados contextos, manifestar-se como expressão de ansiedade e compulsão.

É no espaço público da comensalidade — termo derivado do latim mensa, que significa “partilhar a mesa” – que a alimentação coletiva se consolida como um campo científico orientado, cumulativamente, para a optimização da oferta alimentar e para proporcionar o melhor serviço, com a função de manter, restabelecer ou promover o melhor estado de saúde.

No que respeita à oferta alimentar, o presente artigo procurará, nas suas partes subsequentes, aprofundar a análise da sua dimensão. Contudo, importa desde já salientar a relevância de um aspeto de quando em vez descurado cientificamente no contexto da alimentação coletiva: a sua natureza de serviço e a consequente relação estreita que estabelece com a satisfação do cliente e do consumidor.

Compete, assim, ao nutricionista garantir a adaptação contínua do serviço às novas tendências alimentares e às transformações dos padrões de consumo, bem como assegurar condições adequadas de ingestão alimentar, independentemente do grau de dependência dos consumidores ou do tipo de serviço prestado, nos diversos segmentos de alimentação coletiva – seja em serviço self-service ou em tabuleiro para consumidor institucionalizado.

A intervenção do nutricionista neste domínio assume particular relevância pelo impacto direto da oferta alimentar na saúde dos consumidores. Todavia, este impacto apenas se concretiza mediante o efetivo consumo dos alimentos disponibilizados, o qual depende, em grande medida, dos níveis de aceitação e satisfação por parte do consumidor.

Neste âmbito, torna-se evidente a necessidade de aprofundar o conhecimento científico neste ponto, de modo a compreender de forma mais sistemática as relações entre a oferta alimentar, o comportamento do consumidor e os determinantes quer da sua oferta, quer da sua aceitação, no contexto da alimentação coletiva.

Conforme assinala Collaço, no artigo “Um olhar antropológico sobre o hábito de comer fora”, a interação entre o sistema produtivo e o esquema simbólico de comestibilidade determina o que é considerado comestível e a sua posição dentro de um determinado sistema alimentar (2). Os sistemas alimentares, por sua vez, constituem a base estrutural da alimentação coletiva, uma vez que esta depende e simultaneamente condiciona o sistema de abastecimento alimentar. Esta interdependência manifesta-se tanto pelo efeito de escala decorrente do número de refeições produzidas e servidas, quanto pelo cumprimento de princípios de garantia, adequação, segurança, equilíbrio e sustentabilidade alimentar.

A relevância desta temática tem sido amplamente reconhecida no campo da alimentação coletiva, como demonstram os debates académicos realizados na última década, nomeadamente nos Congressos da Associação Portuguesa de Nutrição. Entre os temas discutidos destacam-se: “Interações entre a cadeia de abastecimento alimentar e a evolução das tendências de consumo – a realidade portuguesa”, “Sustentabilidade em alimentação coletiva: que desafios?” e “Alimentação coletiva: a alavancagem da saúde, o cliente e o modelo de negócio”.

Esta, aliás, tem sido uma das competências centrais do corpo de conhecimento em alimentação colectiva, no campo das Ciências da Nutrição e da prática profissional do nutricionista: a capacidade de identificar, de forma pioneira, áreas carentes de investigação, bem como de reconhecer a emergência de novos temas, integrando tendências e saberes provenientes de domínios científicos afins.

A atuação profissional no âmbito da alimentação coletiva pressupõe a constituição de parcerias e a implementação de intervenções multissetoriais, caracterizadas pela transversalidade e pela interdisciplinaridade. Tal abordagem implica inevitavelmente a existência de zonas de confluência e de sobreposição entre diferentes áreas de intervenção, exigindo do profissional uma visão sistémica e integradora, capaz de articular dimensões técnicas, científicas e sociais no planeamento e execução de estratégias alimentares sustentáveis e eficazes.

Este pressuposto encontra-se amplamente evidenciado na Matriz de Competências Avançadas do Nutricionista Especialista em Alimentação Coletiva e Restauração, documento que sistematiza o conjunto de conhecimentos, competências e capacidades já existentes neste domínio de atuação, e consolidadas ao longo da última década (3). Tal matriz constitui um referencial estruturante da prática profissional, refletindo a evolução científica e técnica da área e delimitando os principais campos de saber e intervenção do nutricionista especialista em alimentação coletiva.

Os domínios de conhecimento e de prática profissional nela definidos abrangem:

  1. Domínio dos referenciais legais e normativos sobre alimentação e nutrição;
  2. Estruturação e gestão de serviços de alimentação, com a conceção e o projeto do desenvolvimento de estruturas e infraestruturas, e assegurando a eficiência operacional e a qualidade dos serviços de alimentação, em todas as suas vertentes técnicas e procedimentais;
  3. Seleção e aplicação de metodologias adequadas de análise química, física, nutricional, microbiológica e sensorial dos géneros alimentícios, bem como a interpretação crítica dos respetivos resultados;
  4. Formulação e avaliação de planos de ementas e da oferta alimentar ajustadas às características e necessidades dos diferentes grupos populacionais e contextos institucionais, considerando as orientações nutricionais, a sustentabilidade, os recursos disponíveis, o meio sociocultural e as obrigações contratuais;
  5. Gestão da operacionalização do plano de ementas e da oferta alimentar, incluindo a elaboração da documentação associada como: listas de capitações, fichas técnicas, especificações da matéria-prima, rendimento e custo da oferta alimentar e sistema de rastreabilidade; assim como a definição e gestão de planos de contingência, de gestão de crise e de gestão do risco, assegurando a continuidade, segurança e conformidade dos processos operacionais;
  6. Gestão do processo de aquisição de géneros alimentícios no contexto da cadeia de abastecimento alimentar, em conformidade com os requisitos legais e os princípios de sustentabilidade alimentar, cumprindo os parâmetros nutricionais, da qualidade e da segurança;
  7. Gestão do sistema de segurança dos géneros alimentícios, de acordo com a legislação e os referenciais existentes e no uso de metodologias adequadas;
  8. Gestão da relação com o cliente, promovendo a comunicação adequada, a satisfação do cliente e do consumidor, definindo o modelo de avaliação da satisfação e do risco da atividade.

A relevância deste domínio de actuação está intrinsecamente relacionada com a necessidade de estudo e investigação no âmbito da atuação do nutricionista em alimentação colectiva. Tal importância é evidenciada pela multiplicidade e diversidade de trabalhos científicos publicados na última década, os quais, embora reforcem essa premência, demonstram o crescente interesse e desenvolvimento nesta área. Destacam-se, em particular, contribuições de elevado valor publicadas na Revista Acta Portuguesa de Nutrição, publicada pela Associação Portuguesa de Nutrição, que se tornam pertinentes de serem compiladas num estudo de carácter histórico e reflexivo, como o presente.

A título exemplificativo, os estudos abordam temas como: Avaliação do risco de desnutrição em contexto hospitalar, Análise qualitativa e qualitativa de planos de ementas em diversos contextos de serviço, Caracterização, avaliação e controlo do desperdício alimentar nos seus diferentes domínios da prestação do serviço de refeições, Avaliação e promoção da qualidade alimentar e nutricional de refeições escolares portuguesas, Materiais em contacto com os alimentos – plástico na alimentação: uma ameaça?, Comunicação dos perigos alimentares pela imprensa escrita: um estudo de caso para o milénio (2000-2017), Comida de rua: consumo e perceção de salubridade em consumidores portugueses, Análise dos aspetos ambientais em unidades de alimentação coletiva, Análise da presença no refeitório escolar da dieta vegetariana, Oferta alimentar de menus infantis em restaurantes de centros comerciais portugueses: estudo qualitativo, Avaliação das perdas de alimentos na produção de refeições em unidades de alimentação escolar: análise das atividades de verificação, Água: a pegada hídrica no setor alimentar e as potenciais consequências futuras, Máquinas de venda automática de alimentos/bebidas: caracterização da oferta alimentar, Intervenções para a redução do sal em cantinas, Embalagens comestíveis: aplicação, efeito na segurança alimentar e aceitabilidade, Referencial de critérios para checklist de avaliação da sustentabilidade em restaurantes, O papel do nutricionista na restauração comercial, Determinantes das escolhas alimentares infantis em restaurantes de fast-food, Redução do teor de sódio da sopa para crianças e avaliação do impacto no desperdício alimentar, Estudo qualitativo sobre a “Proposta de Ferramenta de Avaliação Qualitativa de Ementas destinadas a Idosos”, Proposta de grelha/lista de verificação de avaliação qualitativa de ementas destinadas à população adulta, Ambientes de trabalho saudáveis – O papel do nutricionista, Caracterização e avaliação qualitativa da oferta alimentar dirigida a estudantes em estabelecimentos de restauração pública na proximidade de instituições de ensino, Ambiente e conhecimento de segurança alimentar em unidades de alimentação coletiva do ensino superior português, Intervenção escolar para melhorar a qualidade alimentar dos lanches da manhã: um protocolo de estudo, Caracterização da oferta alimentar da refeição almoço e lanche em creches portuguesas, Impacto da desinfeção de hortofrutícolas no consumo de água e no seu perfil microbiológico, Leguminosas em jardins de infância portugueses: uma análise da frequência e nível de aceitação, Cultura de segurança dos alimentos: conceito e elementos para a prática dos profissionais que actuam em empresas do sector alimentar.

Cumpre ainda destacar a publicação, em 2024, do livro Alimentação Individual e Coletiva, dos nutricionistas especialistas em alimentação coletiva e restauração Ada Rocha, Carlos Damas e Cláudia Viegas (4), que procurou colmatar uma necessidade identificada na sistematização e comunicação de conceitos relevantes para a comunidade científica, estudantes e consumidores.

Esta obra representa uma contribuição relevante para a representação e consolidação da área da alimentação coletiva, ao definir e delimitar o seu campo enquanto domínio do conhecimento. O livro aborda de forma integrada as vertentes conceptual, científica e operacional da alimentação coletiva, evidenciando o impacto das suas práticas em saúde.

Após a publicação de Segurança Alimentar, da autoria do saudoso colega Manuel Araújo, em 1997 (5), obra que constituiu, durante largos anos, um referencial estruturante neste domínio, espera-se que esta obra mais recente possa abrir caminho ao surgimento de novas publicações na área da alimentação colectiva, sublinhando a necessidade contínua de investigação e o papel central da alimentação colectiva na promoção da saúde.

E estranhe-se e reflita-se sobre este hiato temporal que mediou este intervalo editorial. Ainda que outras obras tenham, pontualmente, incluído a alimentação coletiva como um dos seus tópicos de abordagem, é facto que – tanto quanto é do meu conhecimento – estas duas publicações permanecem como as únicas integralmente dedicadas, em Portugal, à área do conhecimento científico e de atuação profissional do nutricionista em alimentação coletiva.

Tal constatação evidencia uma necessidade de maior compromisso institucional e académico para com o estudo e a investigação deste domínio de intervenção do nutricionista, tanto por parte da academia como dos centros de investigação científica, revelando uma lacuna que urge colmatar no contexto do desenvolvimento científico nacional.

Não obstante, importa reconhecer a excelência de alguns trabalhos científicos e projetos de investigação desenvolvidos por nutricionistas especialistas em alimentação coletiva, no seio da academia e em colaboração com outras entidades, designadamente empresas de restauração coletiva. Estes contributos, ainda que não identificados ou compilados neste contexto, em virtude da dificuldade objetiva de levantamento sistemático, constituem exemplos relevantes de aplicação prática do conhecimento científico e demonstrações da capacidade técnica e investigativa dos profissionais em alimentação colectiva.

Aproveitando a referência anterior à segurança alimentar, torna-se oportuno abordar o processo evolutivo das sucessivas – e, em alguns casos, sobreponíveis – eras de desenvolvimento da alimentação coletiva em Portugal.

O período inicial deste processo pode ser descrito como a era da capacidade do serviço, durante a qual se estabeleceram as boas práticas operacionais, com especial incidência nos segmentos social e da saúde – nomeadamente em contexto hospitalar, educativo, institucional e empresarial. Esta fase foi marcada por um pioneirismo significativo, traduzido na definição de padrões operacionais de atuação, na caracterização de tipologias de serviço e na integração do nutricionista enquanto elemento diferenciador e estratégico no domínio da alimentação coletiva.

A consolidação destes paradigmas de atuação profissional viria posteriormente a refletir-se em obrigações contratuais inerentes à prestação pública de serviços de alimentação, bem como na formalização de boas práticas aplicáveis às unidades de alimentação coletiva, quer em regime de gestão direta, quer em regime de adjudicação.

Seguiu-se a era da segurança alimentar, período em que, inicialmente o autocontrolo – e posteriormente os sistemas de gestão da segurança alimentar – foi assumido de forma pioneira e quase exemplar pelo sector da restauração coletiva, através da implementação de práticas e sistemas de monitorização e controlo interno que, mais tarde, seriam disseminados e adaptados a outros contextos, designadamente na gestão directa do serviço de refeições. Esta fase consolidou-se como um marco na actuação profissional do nutricionista, contribuindo de forma determinante para a elevação dos padrões de segurança dos géneros alimentícios e de confiança do consumidor.

Posteriormente, emergiu a era da segmentação do serviço, caracterizada pela crescente capacidade dos agentes da alimentação coletiva em diferenciar e especializar os seus serviços, adequando-os às especificidades dos diversos segmentos de prestação do serviço de refeições, tais como o setor hospitalar, escolar, social, institucional e empresarial. Este período refletiu uma maturidade operacional acrescida, com enfoque na personalização da oferta alimentar e na otimização dos processos de produção e distribuição.

Observa-se em seguida a consolidação de uma era da gestão, da sustentabilidade e da inovação, marcada pela implementação sistemática de referenciais normativos e modelos de gestão integrada. Entre estes destacam-se os sistemas de gestão da qualidade, da segurança alimentar, ambiental, da segurança e saúde ocupacional, da responsabilidade social, dos recursos humanos, da investigação, desenvolvimento e inovação (IDI), da formação profissional e da minimização do desperdício alimentar.

Esta evolução tem contribuído para tornar a alimentação coletiva numa das áreas de intervenção do nutricionista com maior densidade normativa e técnica, exigindo competências multidisciplinares e uma constante atualização face às novas exigências regulatórias, tecnológicas e sociais.

Mais recentemente surgiu a que apelidaria de era dos projetos, caracterizada por um forte enfoque na investigação científica aplicada e na sua transposição técnica para os modelos de prestação de serviços em alimentação coletiva. Este período distingue-se pela implementação de iniciativas de carácter experimental, inovador e sustentável, que traduzem a maturidade e a capacidade de integração do conhecimento científico na prática profissional.

Entre os exemplos mais representativos destacam-se os projetos de aproveitamento integral dos alimentos, de combate ao desperdício alimentar, de avaliação da pegada de carbono associada às refeições, e de promoção da economia circular e da valorização de resíduos orgânicos. Incluem-se ainda projetos orientados para a promoção de escolhas alimentares sustentáveis, de incentivo ao consumo de hortícolas, leguminosas e refeições de base vegetal, a reutilização de embalagens para serviços de take-away, a criação de produtos alimentares inovadores, a redução do desperdício de água e a implementação de práticas de sustentabilidade na produção de refeições.

Outros exemplos dignos de nota abrangem projetos de melhoria da apresentação de refeições pastosas, bem como iniciativas de cocriação e aplicação de metodologias de Design Thinking, centradas na otimização da experiência alimentar e na personalização do serviço.

Por fim, antevê-se a emergência de uma nova etapa – potencialmente designada como a era da incorporação do conhecimento científico da alimentação coletiva ao serviço das políticas públicas e organizacionais em saúde. Esta fase, desejavelmente, deverá consolidar a valorização estratégica da alimentação coletiva como instrumento de promoção e garante da saúde e do bem-estar, traduzindo-se em ganhos tangíveis para os consumidores, as instituições e a sociedade em geral. Reforçamos, torna-se imperioso sublinhar a necessidade de que as políticas alimentares e de nutrição integrem, de forma efetiva, o conhecimento, a experiência e as necessidades específicas deste domínio de atuação do nutricionista na sua formulação.

Do mesmo modo, é indispensável que o corpus conceptual da alimentação coletiva seja solidamente incorporado nas diversas áreas de intervenção do nutricionista, reconhecendo a sua natureza transversal e o seu impacto nos determinantes alimentares e de saúde.

Importa igualmente enfatizar a urgência na fixação e uniformização da terminologia própria da alimentação coletiva, condição essencial para o rigor e a clareza do discurso científico. Como referia o Professor Emílio Peres, “a comunicação científica carece de significantes rigorosamente expressos e entendidos, ou seja, com significados rigorosos ou, pelo menos, amplamente entendidos. Conotações significativas duvidosas enfraquecem o discurso, tornam-no ambíguo e aumentam-lhe a imprecisão”.

Neste sentido, a terminologia associada à alimentação coletiva deve ser claramente definida, sistematizada e empregue de forma rigorosa e consistente em todas as áreas de atuação do nutricionista. A utilização de uma nomenclatura científica precisa é condição essencial para a comunicação efetiva, a comparabilidade dos resultados e o fortalecimento do discurso académico neste domínio. Não é desejável, por exemplo, observar em publicações científicas das ciências da nutrição o uso do termo fast food fora do seu contexto técnico próprio, ou seja, sem que este se refira explicita e unicamente à tipologia do serviço em questão.

Já anteriormente se destacou a relevância da gestão da oferta alimentar no contexto da alimentação coletiva, nomeadamente aquando da análise da satisfação do cliente e do consumidor. A intervenção do nutricionista nesta função tem vindo a assumir importância crescente, evidenciando a sua capacidade de integrar e expandir novas áreas de conhecimento e de atuação, característica que, provavelmente, mais tem contribuído para a consolidação da identidade profissional do nutricionista em alimentação coletiva.

Esta evolução foi fortemente sustentada pelo pioneirismo na abordagem de disciplinas complementares, como a gestão e liderança de pessoas, a boa governança e a gestão do risco, entre outras, que passaram a constituir componentes estruturantes do exercício profissional.

Com efeito, as pessoas representam um pilar essencial na alimentação coletiva, abrangendo todo o ciclo de atuação – desde a operacionalização da oferta alimentar até à satisfação do cliente e do consumidor. Consequentemente, a capacidade de liderança assume-se como uma competência nuclear na prática profissional em alimentação coletiva, essencial à coordenação de equipas multidisciplinares e multiculturais, à promoção de ambientes de trabalho sustentáveis e à implementação de procedimentos.

A alimentação coletiva constitui, historicamente, e continuará a integrar no futuro, uma área de elevada relevância para as Ciências da Nutrição e para a profissão de nutricionista em Portugal. Considerando a amplitude de atuação e o nível de especialização e competência técnica que caracterizam o nutricionista em alimentação colectiva, pode afirmar-se que poucos países dispõem de uma diferenciação profissional equivalente, particularmente no que respeita a uma área de tão expressivo impacto na saúde como é o consumo alimentar fora de casa.

Este domínio inclui contextos tão diversos como a restauração pública, o alojamento e a hospitalidade, o lazer e a alimentação em espaços públicos, a comida de rua e o consumo alimentar on the go, em que se perspectiva a presença de profissionais altamente qualificados e especializados na conceção, operacionalização e avaliação da oferta alimentar.

Cenários profissionais com este nível de desenvolvimento, reconhecimento e especialização encontram-se apenas em alguns países europeus, como Espanha e Reino Unido (este último com algumas especificidades próprias), bem como em países de expressão anglo-saxónica, nomeadamente Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos da América, e no Brasil.

Como sublinha a Professora Sandra Capra, reconhecida internacionalmente pelos seus contributos no estudo e investigação em alimentação coletiva, saibamos antever que “será necessária liderança e visão para se compreender no que a Nutrição se pode tornar: conectando saúde, nutrientes e alimentos” (6).

 

(1) Laburthe-Tolra P, Warnier JP. Etnologia: conceitos e métodos. Lisboa: Instituto Piaget; 2003.
(2) Collaço JHL. Um Olhar Antropológico sobre o Hábito de Comer Fora. Campos – Revista de Antropologia; 2003. doi https://doi.org/10.5380/cam.v4i0.1615.
(3) Ordem dos Nutricionistas. Regulamento n.º 1361/2024, de 25 de novembro: Regulamento Geral de Especialidades Profissionais da Ordem dos Nutricionistas (Anexo II). Lisboa: Diário da República n.º 228/2024, 2.ª série; 2024. Disponível em: https://www.ordemdosnutricionistas.pt/documentos/Regulamento_1361-2024._Regulamento_Geral_de_Especialidades_Profissionais_da_Ordem_dos_Nutricionistas.pdf.
(4) Rocha A, Damas C, Viegas C. Alimentação Individual e Coletiva: nutrir pessoas, planear refeições e gerir serviços. Lisboa: Lidel; 2024.
(5) Araújo M. Segurança Alimentar. Porto: Meribérica; 1997.
(6) Capra, S. Dietitians as leaders, past, present and future. Nutr Diet. 2012 Sep;69(s1): p. 2. doi 10.1111/j.1747-0080.2012.01613.x

 

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