Por Ana Rito, nutricionista, investigadora principal no Departamento de Alimentação e Nutrição do INSA e coordenadora do Centro Colaborativo da OMS para a Nutrição e Obesidade Infantil.
O Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI) é uma iniciativa europeia de vigilância nutricional infantil, coordenada pelo Gabinete Europeu da Organização Mundial da Saúde (OMS), com o objetivo central de monitorizar o excesso de peso e a obesidade entre crianças em idade escolar (6-9 anos). Desde o seu início em 2007/2008, o COSI já realizou seis rondas e é considerado atualmente como o maior estudo deste tipo na Europa, tendo envolvido, em 2024, 48 países e medido mais de 1,3 milhão de crianças.
Este programa de vigilância de obesidade infantil é amplamente reconhecido pela sua robustez metodológica e pela capacidade de gerar dados comparáveis entre diferentes países, servindo como uma fonte fundamental de evidência para combater a epidemia de obesidade infantil.
Em Portugal, o estudo COSI é coordenado pelo INSA na sua qualidade de Centro Colaborativo da Organização Mundial da Saúde para a Nutrição e Obesidade Infantil. Envolveu desde o seu inicio um total de mais de 200 profissionais de saúde em cada ronda, sendo na sua maioria nutricionistas, de sete Regiões de Saúde (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve, Açores e Madeira), cerca de 450 escolas, mais de 800 professores, tendo sido avaliadas, desde 2008 a 2022, um total de 33810 crianças.
Entre 2008 (1ª ronda) e 2019 (5ª ronda), Portugal apresentou consistentemente uma tendência invertida da prevalência de excesso de peso e obesidade infantil. Em 2022 (6ª ronda) esta tendência parece não se ter confirmado, tendo-se registado um aumento de 2,2 pontos percentuais (pp) na prevalência de excesso de peso infantil, de 2019 para 2022 (2019: 29,7% para 2022: 31,9%) e de +1.6 pp de obesidade infantil (2019: 11,9% para 2022: 13,5%), comparativamente ao período entre 2008 e 2019 onde se verificou uma redução de 8,2 pp na prevalência de excesso peso infantil (2008: 37,9% para 2019: 29,7%) e de obesidade infantil de 15,3% em 2008 para 11,9% (menos 3,4 pp) em 2019.
Este retrocesso foi atribuído, em parte, ao impacto da pandemia de COVID-19, que agravou comportamentos sedentários e alterou padrões alimentares em muitas famílias portuguesas, e embora tenham havido inúmeras iniciativas no combate à obesidade infantil ao nível nacional, regional e local a verdade é que ainda confirmamos ter uma em cada três crianças em Portugal afetadas por este problema, não tendo conseguido nos últimos 15 anos baixar a prevalência de 30% de excesso de peso infantil.
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Poder-se-á dizer, que o COSI, em 2007, foi determinante para que Portugal assumisse um compromisso político singular e estruturasse uma estratégia nacional centrada na vigilância, prevenção e combate à obesidade, com ênfase especial na infância. Este compromisso traduziu-se numa abordagem intersectorial, envolvendo entidades governamentais, escolas, profissionais de saúde e sociedade civil, numa resposta articulada ao desafio emergente da obesidade infantil.
A ultima década em meia foi pautada pela implementação de diversas políticas de saúde pública para as quais os dados do COSI Portugal foram fundamentais na prevenção e controlo da obesidade infantil. Estas medidas refletem uma evolução de abordagens e estratégias sistémicas, baseadas em evidência epidemiológica nacional, alinhadas com recomendações internacionais da OMS. Destacam-se as seguintes políticas e intervenções:
- Programa Nacionais Prioritários- Lançada em 2007, a Plataforma Nacional contra a Obesidade da Direção Geral da Saúde, com objetivo especifico da redução da incidência da pré-obesidade e obesidade e a sua prevalência em crianças, adolescentes e adultos foi percursora dos Programas Nacionais Prioritários para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) e da Atividade Física (PNPAF). Estes programas têm sido centrais para formulação de estratégias multisectoriais para promover hábitos alimentares saudáveis e prevenir a obesidade infantil, muitas das quais sustentando-se nas tendências e dados fornecidos pelo COSI Portugal.
- Campanhas Nacionais – O COSI Portugal tem vindo a identificar a limitada literacia em saúde de varias famílias onde reside a obesidade infantil e o agravamento em determinados grupos socio-económicos. Estes dados permitiram alicerçar e justificar campanhas focadas para padrões alimentares inadequados como a elevada ingestão de açúcar, sal, bebidas açucaradas e snacks pouco saudáveis entre as crianças. São exemplos destas campanhas nacionais nos meios de comunicação social o “Movimento Vida Positiva”, “Juntos Contra o Sal” e “Juntos Contra o Açúcar”.
- Reforço das restrições à publicidade alimentar dirigida a crianças– no mesmo contexto, a limitação à exposição a produtos alimentares de baixo valor nutricional em horários e canais de grande audiência infanto-juvenil, tem sido uma das mais importantes medidas implementadas em Portugal.
- Imposto sobre bebidas açucaradas – A evidência do consumo elevado de refrigerantes pelas crianças, revelada nos relatórios COSI, contribuiu não só para a criação do imposto sobre bebidas açucaradas lançado em 2017, medida que visou reduzir o acesso e o consumo destes produtos pela população infanto-juvenil, mas igualmente para monitorizar o impacto desta medida ao longo do tempo.
- Redução do teor de sal no pão – uma medida com impacto reconhecido no consumo diário de sódio da população jovem.
- Reformulação dos produtos alimentares – no âmbito do protocolo com a indústria alimentar e distribuição, para garantir a produção de alimentos mais saudáveis promovendo a sua reformulação.
- Promoção da atividade física – Nos últimos anos, reforçou-se a integração da atividade física no Programa Nacional de Saúde Escolar, também orientado pelos resultados do COSI, com ações para aumentar o tempo e a qualidade da atividade física durante o horário escolar
- A reformulação do ambiente alimentar escolar em Portugal tem sido uma componente fundamental das políticas de saúde pública voltadas para a promoção da alimentação saudável e o combate à obesidade infantil. Os dados do COSI têm vindo a contribuir certamente para a adoção de medidas como o estabelecimento de diretrizes nutricionais claras para as refeições servidas nas cantinas escolares e a restrição da venda de refrigerantes, produtos de pastelaria e snacks com elevado teor de gordura, açúcar e sal nas escolas, bem como a promoção do consumo de fruta, hortícolas e água.
- Fortalecimento da vigilância e intervenção local: Programas como o MUN-SI (Programa de promoção da saúde infantil em Municípios), suportados por dados do COSI, expandiram-se para envolver municípios e escolas, promovendo intervenções comunitárias integradas para retardar a progressão da obesidade e fomentar ambientes mais saudáveis para crianças e famílias. Neste contexto reforça-se a iniciativa recente da capacitação alargada dos municípios para promoção local da saúde alimentar e combate à obesidade;
Em síntese, a trajetória de Portugal no combate à obesidade infantil evidencia a importância de políticas integradas, vigilância contínua e intervenção em múltiplos níveis, servindo de exemplo para outros países na luta contra este grave problema de saúde pública. O impacto destas políticas foi monitorizado a cada ronda do COSI, permitindo identificar tendências, adaptar estratégias e definir metas nacionais, também estas alinhadas com a Organização Mundial da Saúde.
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Destaca-se, contudo, o alerta lançado pelos dados mais recentes (2022), que apontam para uma reversão da tendência de melhoria, motivando a reformulação e aceleração das ações de prevenção e controlo da obesidade infantil, já que não vão de encontro à meta nacional de reduzir em pelo menos 5% a prevalência de excesso de peso e obesidade infantil, até 2030.
Assim, o COSI, este sistema de vigilância nutricional infantil, robusto e de referência, em Portugal, reforça que a obesidade infantil deve permanecer como uma prioridade de saúde pública, já que continuam a existir desafios persistentes, nomeadamente o agravamento das desigualdades sociais na saúde e reforça a necessidade de respostas mais integradas e equitativas, pelo que o sucesso destas políticas depende da sua operacionalização e monitorização continuada, bem como de recursos adequados e intersetorialidade real.




