“Coisas do intestino”: Da diarreia ao cancro colorretal 1306

A cidade do Porto foi palco do XXVII Congresso Anual da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP). O evento reafirmou-se como uma referência para quem cuida, estuda e transforma a nutrição clínica. Cruzaram-se temas que ultrapassam disciplinas, paredes hospitalares e, até, barreiras geográficas – da alimentação na pessoa em fim de vida aos problemas de saúde relacionados com o trato gastrointestinal.

O segundo de dois painéis dedicados às “Coisas do intestino” trouxe à superfície questões que cruzam a ciência com a prática clínica e a educação do doente.

Na primeira intervenção, Raquel Mendes, do Serviço de Gastrenterologia da Unidade Local de Saúde de Lisboa Ocidental (ULSLO), pronunciou-se acerca dos mecanismos subjacentes à diarreia crónica e as suas implicações dietéticas. “Existem diversos tipos de diarreia crónica”, começou por afirmar, sublinhando que diferentes patologias implicam diferentes abordagens.

A especialista confirmou que compreender a fisiopatologia da diarreia crónica permite “um diagnóstico mais preciso” e “uma melhor orientação de cuidados”. “A abordagem multidisciplinar holística leva a maiores taxas de sucesso” e “o empowerment e compliance do doente e familiares permitem melhores resultados”, anotou, lembrando também a relevância de rastrear sempre défices e má nutrição associados.

A meio do painel, surgiram dois temas provocadores: “Transplante fecal? Que horror. Insisto na antibioterapia?” e “Etiopatogenia da doença de Crohn. Dieta: culpada ou inocente?”, levantando questões atuais e, por vezes, controversas na prática clínica.

A sessão terminou com a comunicação de Ricardo Borges, do Hospital da Horta, nos Açores, que respondeu, com base na evidência, a uma pergunta frequentemente feita pelos seus doentes: “O meu cancro do intestino surgiu por não praticar uma dieta adequada?”. O médico explicou os diferentes tipos de cancro colorretal (CCR) – esporádico; familiar; hereditário –, aportando a interação entre a genética, a epigenética e os fatores de risco modificáveis.

Sobre a relação entre a dieta e o CCR esporádico, que representa 75-80% dos casos, chamou a atenção para a tendência crescente na incidência e mortalidade, devido à adoção de hábitos e estilos de vida pró-carcinogénicos, como o sedentarismo e a consequente obesidade, a dieta rica em calorias, gordura e proteína animal, pobre em fibra, vegetais, fruta e lacticínios, o tabagismo e o consumo de álcool. Na sua opinião, estamos perante a “ocidentalização do CCR”.

De facto, como vimos, a dieta pode ser “amiga” do CCR, através de consumos pró-carcinogénicos, como o álcool, a carne vermelha e carne processada, os cereais refinados, as bebidas açucaradas, as sobremesas, mas, igualmente, “inimiga”, através de consumos protetores da carcinogénese, com destaque para o peixe, os moluscos e o marisco, os cereais e as fibras integrais, as leguminosas, os frutos secos, os vegetais e a fruta, os lacticínios.

Respondendo à questão de partida, Ricardo Borges concluiu, com franqueza, que “tratando-se de um caso de CCR esporádico, e não só, se tiver praticado durante décadas uma elevada ingestão de carne vermelha e carne processada, uma elevada ingestão de gordura animal, uma escassa quantidade de fibra, vegetais e fruta, uma ingestão diária de álcool, sim, os seus hábitos alimentares contribuíram para o desenvolvimento do CCR”.

 

Leia o artigo completo na edição de julho-agosto (#96) da revista VIVER SAUDÁVEL.