Na era das redes sociais, a comunicação sobre saúde e nutrição ganhou novos protagonistas e novos
perigos. Influenciadores digitais, desinformação estratégica e lacunas legais tornam o contexto ainda
mais complexo, especialmente quando se trata da alimentação dos mais pequenos. Um guia lançado
pela DGS pretende trazer regras claras e boas práticas para quem comunica no ambiente digital.
A mesa redonda “Comunicar no nosso tempo” colocou em destaque os desafios e as responsabilidades que a comunicação digital impõe, especialmente quando o tema é a alimentação e o bem-estar das populações.
Tiago Durães, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP), abriu a palestra “Desafios da comunicação digital” com uma pergunta provocadora: “A comunicação digital é mais rápida do que os factos?”. A reflexão partiu da constatação de que os meios digitais eliminaram as barreiras do tempo e do espaço, tornando possível a disseminação de informação a uma velocidade sem precedentes. Mas a rapidez traz riscos.
Misinformação e desinformação foram dois conceitos abordados. Enquanto a primeira consiste na “divulgação de informação falsa sem a intenção de enganar”, a segunda “é intencionalmente criada ou disseminada com plena consciência de que é falsa”, comparou. Ambas, contudo, têm efeitos nocivos e influenciam decisões com impacto na saúde.
Divergência alimentar afeta “quatro em cada cinco crianças e jovens” com autismo
O expert em comunicação e marketing nomeou os influenciadores digitais como peças centrais nesta equação. “Eles acreditam que estão a ajudar”, afirmou, referindo-se à capacidade que estas figuras têm de amplificar as mensagens de saúde, especialmente quando munidas com informações e recursos precisos e credíveis. “O público tende a percecionar os influencers como fontes confiáveis, por vezes até mais do que as entidades académicas ou governamentais”, alertou.
No entanto, as boas intenções não chegam. Uma notícia recente, partilhada durante a apresentação, revela que a maioria dos influenciadores não verifica o conteúdo antes de o publicar. Daí o apelo final ser claro: “Questionar, refletir, verificar”. Paralelamente, reforçar a necessidade de promover a literacia mediática, científica e em saúde. “A misinformação não é necessariamente espontânea, muitas vezes é estratégica e coordenada”, rematou.
Guiar a comunicação, proteger os mais pequenos
A segunda intervenção ficou a cargo de Marta Figueira, do PNPAS. A nutricionista trouxe consigo o novo “Guia para influenciadores digitais e anunciantes no âmbito da alimentação infantil”, um documento que estabelece regras e boas práticas para a comunicação comercial de substitutos do leite materno e outros alimentos destinados a bebés e crianças pequenas, no meio digital.
A importância e a baixa prevalência do aleitamento materno foram amplamente destacadas. “O aleitamento materno exclusivo até aos seis meses e continuado até aos dois anos de idade é um determinante chave da saúde das crianças e das mulheres”, referiu. Mas os dados revelam um cenário preocupante.
O marketing agressivo de substitutos do leite materno é um dos fatores apontados como responsável pela baixa prevalência. “Portugal obteve uma pontuação de apenas 32 num total de 100 pontos possíveis, de acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) que monitoriza a implementação do Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno”, notificou.
O novo guia, disponível para consulta pública, apresenta recomendações claras sobre o que é permitido e o que não é. “Pretende-se que quem comunica em ambiente digital possa garantir que os seus conteúdos estão de acordo com os princípios da promoção de uma alimentação saudável, mas também cumpram as normas legais, assegurando uma comunicação responsável e alinhada com a legislação portuguesa”, mencionou. Uma comunicação responsável começa com conhecimento, e o objetivo é que ninguém comunique às cegas.
Novo guia a caminho
No fecho da mesa redonda, Maria João Gregório partilhou com a revista VIVER SAUDÁVEL a motivação por trás deste novo recurso. “O guia foi desenvolvido com o objetivo de melhorar e tornar a comunicação dos influenciadores digitais mais responsável nesta área da alimentação infantil”, declarou, considerando o tema “crítico” no que respeita à promoção da saúde.
A diretora do PNPAS realçou que a DGS “tem uma particular atenção e preocupação por esta fase do ciclo de vida”, lembrando que esta é uma área onde “a comunicação digital e a comunicação por parte de influenciadores digitais, que muitas vezes não são profissionais de saúde, é muito frequente”. Isto ganha ainda mais peso quando se considera que “a população utiliza muito as redes sociais e os conteúdos que estão no ambiente digital como fonte de informação credível no processo de diversificação alimentar”.
“Assumindo que a legislação portuguesa tem lacunas, quando comparamos com o Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno da OMS”, o guia assume particular relevância. “Entendemos que deveríamos apresentar um conjunto de boas e más práticas na comunicação nesta área, não só para substitutos do leite materno, mas também para todos os alimentos disponíveis na fase da diversificação alimentar”, frisou.
A nutricionista revelou ainda que está em desenvolvimento um novo documento, transversal a todas as idades, que integrará áreas como a alimentação, o álcool, o tabaco, a atividade física e a vacinação. “Será um guia mais abrangente naquilo que são as temáticas da saúde, que têm uma maior divulgação no contexto digital”, adiantou. O projeto envolve o PNPAS e outros programas de saúde prioritários da DGS, contando com a colaboração da Direção-Geral do Consumidor (DGC).
“Processar alimentos foi o que nos permitiu chegar aos níveis de saúde pública que temos”
A terminar, deixou uma reflexão sobre o papel da comunicação nas políticas públicas, destacando a importância de “cada vez mais termos profissionais da área da comunicação nas nossas equipas”. E justificou: “Hoje em dia, tão importante como a qualidade intrínseca do trabalho técnico que desenvolvemos, é a qualidade e a forma como comunicamos. Temos de simplificar e tentar ter um formato de comunicação e uma linguagem que seja mais próxima das pessoas, e que chegue, verdadeiramente, à nossa população”.
Parte do artigo “Comunicar também é cuidar”, publicado na edição #96 da revista VIVER SAUDÁVEL (julho-agosto, 2025).




