“Enquanto fontes especializadas, também temos poder” 750

A desinformação na área da nutrição está a ganhar terreno, impulsionada pelas redes sociais, pela baixa literacia em saúde e pela falta de presença das fontes especializadas no espaço público mediático.

Na tertúlia “Combate à desinformação em saúde: desafios legislativos e comunicacionais”, moderada por Nuno Borges, presidente da comissão científica do congresso do Congresso de Nutrição e Alimentação, Felisbela Lopes começou por destacar a centralidade dos média no acesso à informação em saúde.

Mas se, por um lado, são mediadores essenciais, por outro, enfrentam uma crise profunda, alimentada por desordens informativas como as fake news, o clickbait e a manipulação algorítmica. A professora do Instituto de Ciências Sociais da UMinho chamou a atenção para os desafios da transição digital, referindo o poder crescente das plataformas digitais, a fragilidade na proteção de dados, as desigualdades no acesso e a degradação da participação cívica.

“Vivemos uma crise no jornalismo devido ao declínio dos modelos de negócio, à queda nas assinaturas de jornais impressos, à dificuldade em monitorizar conteúdo online“, ilustrou. Há cortes nas redações, uma dependência excessiva das agências de notícias e fontes oficiais, reduzindo a diversidade de perspetivas. Regista-se “uma falta de confiança nos jornalistas” e “os média são vistos como tendenciosos”. “O crescimento da polarização política leva à rejeição das informações”, alertou.

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No contexto da nutrição, a desinformação também prolifera. “Circulam dietas de emagrecimento rápido, promessas de suplementos miraculosos”, apontou a analista dos média, identificando como principais responsáveis “as redes sociais e os influencers sem formação especializada, os interesses comerciais da indústria alimentar, a procura de soluções simples para problemas complexos e a falta de literacia nutricional”. Para enfrentar este cenário, urge apostar no desenvolvimento de tecnologia, através de ferramentas como verificadores automáticos de factos ou etiquetas de confiabilidade, mas também na educação para os média.

Felisbela Lopes exaltou “o poder das fontes”, para concluir que “nós, enquanto fontes especializadas, também temos poder. Se não ocuparmos o espaço público mediático, ele é ocupado por outros”.

O valor das fontes especializadas

Nuno Borges retomou o microfone para apontar o que considera ser “a coisa mais perigosa: a desinformação que se apresenta misturada com informação correta”.

Felisbela Lopes partilhou uma análise mais estrutural da comunicação em saúde, reconhecendo o apetite que existe pelos temas da nutrição e alimentação, e identificou os atores do ecossistema da informação que podem constituir-se como fonte, distinguindo as fontes oficiais (decisores), que comunicam com apoio profissional (assessores de comunicação), das fontes especializadas, onde se incluem os profissionais de saúde e investigadores.

E foi autocrítica: “As fontes especializadas têm pouca vontade de comunicar. Não funcionam bem no espaço público mediático, porque são aborrecidas, não são compreendidas, e os jornalistas acabam por não as procurar. Não nos adaptamos ao tempo e ao ritmo dos jornalistas, que é um tempo escasso e que exige que eu diga muito em pouco tempo”. Consequentemente, “quando ocupamos o espaço da comunicação, nem sempre o ocupamos de uma forma muito eficaz”.

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Mas comunicar também se aprende. “As pessoas não nascem a saber comunicar”, atestou. “Na pandemia percebemos, claramente, o valor das fontes especializadas. Muitos aprenderam a comunicar em direto. E os que aprenderam depressa, permaneceram mais tempo. Foi um período muito bom para nós, fontes especializadas, porque demostrou que temos lugar, somos necessários”, exemplificou, reforçando que “os chamados “comentadores”, que estão sempre nas televisões, desapareceram”, porque «em situações mais críticas, precisamos dos especialistas».

“Demos um gigantesco passo atrás”

A questão da regulação foi trazida à discussão por Felisbela Lopes, que assinalou com «preocupação» a recente evolução dos grandes players digitais: “Ao nível da autorregulação, nos últimos meses, demos um gigantesco passo para trás. O fim da verificação de factos em algumas plataformas contribuiu para um alto caudal de desordem informativa, contra o qual é difícil ter qualquer iniciativa”. A crescente utilização de inteligência artificial na produção de conteúdos foi outro fator de risco identificado.

 

Parte do artigo “Quando a verdade não viraliza”, publicado na edição #96 da revista VIVER SAUDÁVEL (julho-agosto, 2025).